terça-feira, 3 de novembro de 2009

Festa da colheita em Konkuykoro

Depois da época das chuvas começam as colheitas e as festas para agradecer o alimento desse ano. Todos os vilarejos fazem essa festa, pensávamos que era um acontecimeto social, mas finalmente essas festas são feitas nas igrejas, cada uma na sua maneira, mas o ritual deve ser bem parecido (acho). No outro domingo perdemos a de Toma, nosso amigo Fidèle tinha nos convidado mas nas vésperas da viagem uma pessoa da família dele faleceu em Bobo-Dioulasso e então ele teve que ir para cumprir o papel dele (lembram que na etnia dele ele prepara o corpo para o funeral?).

Desde que voltamos Eric tem saído bastante para trabalhar com os agricultores da região (aliás, assim que der ele vai contar aqui as últimas novidades) e um deles, Charles, nos convidou para voltar no vilarejo nesse domingo para participarmos da festa da colheita (foi na casa dele que o Eric dormiu no final de setembro, quando a chuva veio e ele não pôde voltar para a casa). Não foi normal, mas sábado choveu bastante e parou às 8h da manhã de domingo. Nessa altura já tínhamos desistido de ir, mas o Charles ligou e insistiu para pegarmos estrada. Ele disse que mesmo que a gente chegasse lá mais tarde era para ir! Saímos então de Dédougou quase às 9h, de moto. Konkuykoro fica a 90 km, não tem asfalto, não tem luz, não tem água corrente... é um vilarejo cheio de baobás, limpo, com quase 2 mil habitantes. A viagem foi longa pois em quase todo o trajeto a estrada estava mais ou menos assim:

Chegamos meio-dia em ponto na casa do Charles, que nos recebeu muito contente, de toalha enrolada na cintura! Foram tantas informações num único dia! Primeiro ele nos convida para entrar e descansar nessas cadeiras deliciosas que eles têm por aqui, ao lado de um monte de feijão que ele tinha colhido:

e abre uma melancia suculenta! Entramos no período das melancias e essa foi a primeira do dia! O papo começa enquanto o amigo dele nos prepara um chá! Charles já um senhor, um agricultor de “médio porte” bastante experiente, já foi para o Canadá, etc. Um homem simples, tranquilo e adorável!!! Andamos pelo vilarejo com o Charles e ele foi nos apresentando quem parava para nos cumprimentar. Quando chegamos a igreja já estava lotada, mas o Charles levou a gente para o primeiro banco. A missa foi muito animada e longa, toda em língua local (o Charles traduziu alguns trechos) e mais uma vez só tinha a gente de tubabu! E as crianças!? teve uma hora que tinham umas 30 na nossa frente, admiradas, rindo e se encondendo (de costas para o altar) até que alguém veio chamar a atenção delas e levá-las de “volta para o lugar”! A dança que eles fazem é diferente das que tínhamos visto até agora, mas os instrumentos são os mesmos. Mais para o final da missa, entram homens e mulheres com as oferendas a serem agradecidas, cada um com alguma coisa na mão: abóbora, melancia, tomate, cebola, arroz, milho, pequeno-milho (tradução literal), sorgo, gergelim, frango, cabrito, um bebê... eles fazem uma roda, cantando e dançando, e vão levantando e agradecendo tudo. Sim, jogam a criança e o cabrito pra cima!

Quando a missa acabou um senhor veio dizer ao Charles que eles nos ofereciam comida; mas ficamos sem saber os detalhes. Voltamos para a casa do Charles, ele abriu mais uma melancia (2ª do dia) e a esposa dele trouxe o almoço: arroz com molho de amendoim e carne de cabra e o deguê – hum, como explicar? Uma espécie de cereal que eles fazem uma “papa”, é gostosinho - mais a panela oferecida pela igreja. A ideia então era participarmos da festa e depois voltarmos para casa, mas a missa não acabou a tempo da gente chegar em Dédougou ainda de dia e então resolvemos passar a noite lá, o que deixou o Charles contente!

Eu tinha perguntado ao Charles se em Konkuykoro tinha escola e a resposta dele foi “você quer ir lá ver?” ... saímos então da casa dele e fomos passear, agora sem pressa. Em todas as cours um grupinho de pessoas sentadas conversando, todas nos saludando. Paramos para falar com um grupo de homens que estava ao lado de uma montanha de melancias, no pé de um enorme baobá... e o sol se pondo deixou essa cena especialmente bonita. Fomos até a escola e até a casa do diretor, que muito gentilmente abriu uma melancia pra gente (3ª do dia); ele me disse que lá eles têm uns 300 alunos e 6 professores! Voltando da casa do diretor, passamos em mais 3 amigos. Um deles, Gabriel, nos deu um saco de ovos de galinha d'angola e fez um monte de perguntas sobre o Brasil! Na casa dele jantamos (arroz com molho de amendoim e carne) e numa outra comemos o degê de novo. Notei que o Charles também não recusa nada do que nos oferecem, “é um dia de festa e nos dias de festas, comemos juntos, como os que são amigos fazem”, disse ele. Aqui é assim, aqueles que dividem um prato, são amigos; se te dão o que comer, é porque te consideram como um amigo. E, voltamos para a casa do Charles para descansar e jantar (mesmo prato e a 4ª melancia do dia). O filho dele mais velho nos trouxe um frango de presente e preparou o chá da tarde.

Quando era noite já, saímos para a dança. Charles emprestou uma roupa típica para o Eric! Antes de ir para a festa o Charles também veio com um super blusão para mim, ele disse que com o meu casaco eu ia sentir frio! Foi a primeira vez que sentimos um pouco de frio, estava mesmo fresquinho. Observação: desde o início ele estava preocupado com a calça jeans do Eric! Essa calça tem um rasgo no joelho esquerdo (e eu brigo com ele para não usar mais), mas como ficamos imundos depois de pegar a estrada... ele foi com ela. Quando chegamos o Charles notou e perguntou o que tinha acontecido, se tinha sido na viagem e perguntou se o Eric queria se trocar. Eu quase me enfiei dentro do monte de feijão! Eric respondeu que tudo bem e perguntou se havia problema ele ir na missa assim. Charles, logicamente, disse que não havia problema nenhum, mas estranhou! Acontece isso, nós evitamos de usar roupas “boas” aqui, mas eles são vaidosos com as “roupas sociais”, principalmente em dia de festa. Né, seu Eric!? A noite foi linda! Pegamos uma lua cheia linda que iluminava todo o caminho! Tudo! Nem era preciso lanterna onde não tem eletricidade! Ficamos maravilhados!! Fomos para a roda de dança, conversamos mais um pouco com o Timothée (amigo do Charles, também muito gente boa), dançamos um pouquinho e voltamos para a casa quase 1h da manhã! A lua ainda estava lá, iluminando tudo...

A esposa do Charles já tinha arrumado a nossa cama... dormimos super bem na roça! Pena que durou somente 4 horinhas porque levantamos cedo para pegar estrada novamente! Quando acordamos, ainda estavam dançando. No café da manhã a nossa 5ª melancia (e não pode pegar só um pedaço), o deguê e o chá. Nós ficamos contentes com esse dia, com a forma com que fomos acolhidos e mais uma vez mexidos com o que não sabemos bem explicar. Eu, particularmente, fiquei emocionada de ter estado ali, num vilarejo no interior do interior da África, onde a vida é dura, simples e ninguém reclama dela. Onde TODOS se cumprimentam e perguntam “como vai a família no Brasil?”. Onde falta tudo, mas todo mundo tem telefone celular.

O Charles, sentado à direita com a sua esposa, tem 7 filhos. Esses na foto são os mais novos, que ainda moram com ele. Uma filha e um filho já são casados e moram no mesmo vilarejo. O rapaz que não conhecemos mora no Mali e a outra filha mora em Nouna, uma cidade perto. A esposa dele não fala francês, mas nos despedindo Charles traduziu o que ela queria dizer: que ficou muito contente em nos receber na casa dela e que somos amigos. Ele levou a moto do Eric até a entrada da cour e disse “Que Deus projeta vocês na estrada e a família de vocês sempre!

Deixamos Konkuykoro - com um casal de frangos (um em cada guidão da moto), um saco de ovos, uma garrafa de deguê e uma melancia (grande) - dando tchau para todos os que apareciam no caminho sorrindo ou desejando boa viagem e... com lágrimas rolando!