sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cerimônia surpresa

Quarta-feira passada fui de volta a Kari porque era dia de mercado nesse vilarejo. Eu queria ver como o mercado se organiza por lá e aproveitar a ocasião para conversar sobre a troca de informações entre as pessoas nesse evento – além do caráter econômico, os mercados africanos são verdadeiros acontecimentos sociais! Acabou que o que foi acontecendo foi uma grande surpresa pra mim. Chegando na cidade, antes de me dirigir ao mercado decidi passar na casa de um dos agricultores que tinha visitado uma semana antes. Ele demonstrou ter ficado muito feliz com minha visita e sentamos para conversar. Quando achei que era um bom momento para retomar nossa conversa inicial, perguntei mais detalhes sobre o chefe do vilarejo e o chefe de terras. Ele se prontificou a me levar na casa dos chefes e... lá fomos nós!

Os chefes são senhores já de idade avançada e eles não falam francês! O agricultor que estava comigo fala razoavelmente o francês, então já viram, a conversa foi meio uma confusão, o povo falando em Bwamu, o agricultor tentando achar as palavras pra me traduzir em francês... mas bem, conseguimos conversar um pouco. No meio dessa conversa veio uma surpresa: os chefes, vendo meu interesse por suas funções, me perguntaram se eu queria presenciar uma cerimônia! Além de cuidar da manutenção da paz no vilarejo (resolução de conflitos) esses chefes também têm funções meio que sacerdotais... eles fazem cerimônias com oferendas para os ancestrais, para diversos fins: proteção da comunidade, pedindo boas chuvas para a agricultura, etc. Eu fiquei meio sem saber o que dizer, mas sim aceitei o convite.

Fomos ao mercado comprar uma galinha branca segundo o pedido dos chefes. Pois é, essa é a parte triste, essas cerimônias geralmente incluem o sacrifício de uma galinha branca. Voltamos à casa dos chefes com a galinha para a cerimônia. O agricultor que estava comigo tinha me explicado um pouco como funcionava e durante a cerimônia ia me dizendo algumas coisas para facilitar meu entendimento. Fiquei impressionado com a naturalidade com que a cerimônia é feita, ali mesmo num canto da cour, ao ar livre. Se entendi bem, ela é dividida em três etapas principais: uma primeira de pedido de perdão, uma segunda chamada "das cinzas" e finalmente a parte final onde se faz o pedido aos ancestrais na medida que se faz o sacrifício. Ainda não entendi bem a parte das cinzas, mas a cerimônia como um todo acontece mais ou menos assim:

Nos dirigimos para o canto da cour onde os sacrifícios são feitos, facilmente identificável por causa da grande quantidade de penas brancas no chão. Ao me aproximar, o chefe do vilarejo me indicou que era preciso tirar os sapatos. Ficamos então os seis (os dois chefes, um ajudante, um observador que não entendi o que fazia lá, o agricultor e eu mesmo) em círculo, agachados. De lados opostos do círculo, o chefe de terras e o chefe do vilarejo têm funções complementares na cerimônia: o primeiro é o homem da palavra, ele recita as frases de invocação e os pedidos aos ancestrais, o segundo é o homem da ação, ele fica com a faca na mão e na medida que o outro fala ele vai fazendo gestos simbólicos com a faca, até o momento do sacrifício em si. A galinha é então degolada, seu sangue escorre pelo chão, e depois são suas penas que vão parar ali. No final, o ajudante serve duas cabaças de dolô (a cerveja tradicional daqui, veja aqui o artigo que publicamos sobre isso), uma para cada chefe. Antes de beber, uma boa porção do dolô é derramado no meio do círculo. Depois deles terem bebido, foi a vez do agricultor, a minha e por ultimo foi a vez dos outros dois. O chefe do vilarejo "examina" as vísceras da galinha para saber se está "tudo bem", parece que algumas partes têm que estar brancas e estavam, então, segundo ele, tudo bem. A galinha é então dividida entre os presentes e voilà, estava terminada a cerimônia.

Confesso que foi estranho presenciar o sacrifício da galinha, mas muito interessante acompanhar a cerimônia. Essas tradições são ligadas à "religião" animista, baseada nos poderes da natureza e na veneração dos ancestrais. Essa "religião" é anterior a todas as outras na região, e mesmo que as pessoas se digam de confissão católica ou muçulmana, dá pra perceber a influência do animismo em suas crenças. Há sempre muito mistério em torno da vida aqui no Burkina, as pessoas têm crenças "complementares", que colocam "em prática" em momentos distintos de suas vidas sociais. Muito provavelmente essas crenças seriam consideradas incompatíveis por integristas de uma ou outra religião. Mas quando conversamos com as pessoas por aqui sobre essas coisas, vemos que eles vivem entre dois mundos: aquele dos magos de magia negra, sempre temidos por lançarem feitiços e maldições sobre as pessoas, e aquele dos magos de magia branca, sempre procurados para a proteção das pessoas contra os primeiros ou as tristezas da vida...

Se eu descobrir mais detalhes sobre as cerimônias dos chefes coloco aqui num outro artigo, ok?! Abraços a todos!