terça-feira, 29 de setembro de 2009

Bobo-dioulasso

Nosso último final de semana da primeira fase aqui na África foi ótimo. Precisávamos desse tempo! Fomos para Bobo-dioulasso que fica à 180 Km de Dédougou. Bobo é considerada a segunda cidade do Burkina, tem como símbolo o djembé, instrumento musical que representa a cultura dos povos da região. Saímos no sábado de manhã e fomos de moto porque a estrada é toda asfaltada até lá. Fomos nós dois na nossa moto e o Pierre levou a Janete de carona na moto dele. A Janete é a sobrinha da Francine que mora em Bobo mas passou uns dias de férias aqui. A Anne veio de Ouaga. No início foi legal, mas depois de um tempo doeu bastante o bumbum! Fizemos duas pausas na estrada, estava muito quente e a paisagem estava linda, africana mesmo! Assim que chegamos na cidade, perto do meio-dia, nossa moto pifou! A sorte foi que paramos bem em frente a um senhor mecânico que foi super legal. Ele é militar aposentado e estava na ativa na época do Sankara (ex-presidente assassinado que iniciou a revolução do Burkina Faso).

Bem, situação resolvida e fomos para o albergue deixar as nossas coisas e almoçar. O albergue se chama Zion, é pequeno, bem simples e gostosinho, só tinha a gente e mais quatro pessoas hospedadas. A dona se chama Camile (uma francesa totalmente fora do padrão) casada com um burquinabês, eles têm duas filhinhas. Pela primeira vez desde que chegamos aqui vimos uma criança brincar com brinquedo de verdade. Elas estavam brincando de boneca e a menorzinha amarrou a boneca dela nas costas com um tecido como as mulheres fazem aqui com os bebês... uma graça! O clima é bem legal no albergue, tem um restaurante e funciona um bar, de vez em quando tem shows, vendem artesanato... e como cita o guia Routard "o clima é rasta e às vezes bastante esfumaçado". A Camile cozinhou pra gente e fez pratos vegetarianos especialmente nós :)

Ainda no sábado fomos no mercado municipal. O mercado de Bobo é bem legal, maior e bem mais arrumadinho do que o de Dédougou. Ele foi totalmente reconstruído e restaurado e desde 2001, quando abriu novamente suas portas, atrai muitos comerciantes de Guinée, Mali, Ghana, Costa do Marfim e turistas, tudo isso porque Bobo é bem situada geograficamente falando e se desenvolveu muito nos últimos anos. Mas a cidade ainda preserva antigos bairros e costumes dos vilarejos do interior, o animismo ainda é bastante praticado e há também uma forte influência do islamismo... um conjunto de variedades, misturas e etnias que mantém o seu charme.

Infelizmente não tivemos muito tempo no mercado pois ele fecha cedo, ficamos umas 2 horas que passaram muito rápido. No mercado tem de tudo (roupas "modernas", produtos de beleza, cestos, tecidos tradicionais, peças de cerâmica e artesanato bem original)! Andamos pouco por lá e ficamos um bom tempo numa mesma tenda negociando preço. Um barato! Quando chegamos fomos cercado por um senhor (Jacquie) que nos levou até a tenda dele, só artesanato (colares, estatuetas, mascaras, tecidos)... ele é um bom comerciante mas nós já pegamos toda a "manha" deles também e pagamos bem menos da metade do preço inicial!

Saindo do mercado fomos para casa descansar um pouco. Jantamos e fomos para o maquis Bois d'Ebène (Bosque do Ébano) onde teve o festival de música que a Anne veio para trabalhar representando o Centro Cultural Francês de Ouaga. A Janete e um primo dela veio encontrar a gente também. Foram 11 grupos de música tradicional, moderna e "fusão". Rimos muito! Os grupos são bons mas o som estava horrível e a "performance" dos apresentadores e do que parecia ser o "chefe de palco" divertiu muito a gente! Teve uma banda tradicional completa com uma cantora que é até conhecida, mas tinha no grupo deles um dançarino que não tinha nada a ver com o que estava acontecendo, ele fazia uns passos de dança tradicional com balé moderno e yoga (ele fez até uma invertida no palco) com uma roupitcha que estava muito engraçado, apelidamos ele de Ney Mato Grosso Burquinabês (guardada as devidas proporções, que o Ney Matogrosso não se sinta ofendido - não tem comparação)!

No domingo acordamos calmamente, bem no ritmo local, sem pressa para nada, demoramos para tomar café, para comer e para sair. Fomos visitar a Guinguette que fica dentro da Floresta Sagrada do Kou (onde nasce o rio do mesmo nome). é simplesmente um local FANTÁSTICO! O local é conhecido por Guinguette porque esse é o nome dado a um espaço que os colonizadores construíram no meio da floresta para fazer festa nos domingos. Até um tempo atrás era permitido tomar banho nos rios e nas piscinas naturais. Tem locais para rituais animistas e ainda é bastante frequentado para sacrifícios e dependendo da época aparecem os elefantes e os hipopotamos. Adoramos visitar essa floresta, nos sentimos no cenário do Indiana Jones! Como nada é perfeito os mosquitos irritaram um pouco mas nada perto da satisfação de estar ali!

Logo depois desse passeio paramos na estrada para comer alguma coisa. Hum! Que lugarzinho gostoso! O engraçado é que as galinhas ficam soltas por ali e de vez em quando passava o cozinheiro para matar uma delas para cozinhar!

Aproveitando ainda para conhecer mais alguma coisa em Bobo, passamos na antiga mesquita (Mosquée de Dioulasso-Bâ) datada de 1894. Já estava escurecendo e não conseguimos tirar fotos, vai ficar para a próxima. A mesquita é realmente diferente, sua arquitetura é sudanesa (do Sudão) e ela é toda feita de barro. As torres (minaret = de onde os fiéis são chamados para rezar) são na forma de cones e toda ela foi erguida com paus de madeira. Conta a história que no fim do século XIX o rei de Sya (antigo nome de Bobo) pediu ajuda ao chefe religioso dos muçulmanos para se defender do ataque de Tiéba le Grand (rei de Kénédougou). O religioso aceitou em troca da ajuda do rei para construir essa grande mesquita. Mas ela teve que ser construída onde também são feitos rituais animistas, e parece que os dois grupos vivem em paz, respeitando os horários e festas de cada religião.

Ainda fomos mais uma vez no Bois d'Ebène para o encerramento do festival. Dessa vez para assistir os vencedores. Foi mais divertido ainda, dessa vez o Pierre foi convocado para entregar os prêmios também e o convite veio da forma mais engraçada "Anne, qual o nome do teu namorado? Não tem mais ninguém aqui pra entregar os prêmios!" E os apresentadores começaram dizendo que as personalidades presentes é que entregariam os prêmios e certificados! Tínhamos jantado lasanha no albergue e ficamos com vontade de comer um doce, como quem não quer nada perguntamos no bar (que também é restaurante) se tinha algo doce para comer. Primeiro a garçonete responde "eu não sei, eu não sou a cozinheira" mas ela chamou o cozinheiro, um senhor já, que nos propôs banana flambada e crepe!!! :) Estava bom! Ele veio fazer as bananas na nossa frente e tudo!

Ainda não acaba por aqui nossas aventuras em Bobo. Na segunda de manhã saímos cedo porque combinamos de voltar de ônibus. Na gare, aquela cena, todo mundo chegando com tudo pra colocar no ônibus: sacos, cestos, animais, motos, etc. Ok, chegamos e fomos providenciar o "embarque das motos", eles embalam com papelão e isso demora um pouquinho. Mexe daqui e dali, ainda teve uma cena de um cara empurrando uns pacotes de papelão para caber não sei o que e eis que a caixa arrebenta e começa a vazar o conteúdo: peixe fresco! Dá a hora do ônibus partir e nada. Nessa eles já tinham tirado e recolocado a roda da nossa moto para caber no bagageiro (dessa vez o ônibus tinha bagageiro). Ok, meia hora depois (já estava bem quente) estávamos dentro do bus sentados esperando ele sair. De repente um movimento, gente descendo e falando "é para descer, temos que trocar de ônibus". Nos olhamos os três "trocar???" - observação: tudo aquilo que vem no ônibus já estava "arrumado" - desce tudo, sobe tudo... saímos com uma hora e meia de atraso de Bobo! Enfim!? Ainda em Bobo o ônibus faz uma parada e entra um senhor com um pneu de caminhão DENTRO do ônibus, isso mesmo, pneu de caminhão, sujo, e para ajudar um tonel de plástico de 130l por cima!

Definitivamente, ganhamos pouco mas nos divertimos muito!!!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Final do Ramadam

Esquecemos de contar um acontecimento do final de semana passado (na verdade a Internet estava um caos). No domingo (dia 20 de setembro) foi festejado o final do Ramadam. Na noite do sábado, em que se completam os 30 dias de jejum, os muçulmanos devem ver a lua que marca o fim desse período, digo devem porque quando está nublado e ela não aparece uns telefonam para outros que a viram e a televisão costuma confirmar também, e no dia seguinte é festa, um dia festivo, feriado para todos! Nesse ano esse dia caiu num domingo e então, como é de praxe por aqui, o feriado passa automaticamente para o dia seguinte; se não, não tem graça né!? Domingo não é o mesmo que feriado, ora bolas!

Tradicionalmente as famílias passam o dia reunidas, recebendo amigos e fazendo visitas e por isso se faz muita comida. Fomos convidados para passar na casa do Sidibé (um amigo da UGCPA). A esposa dele preparou uma super salada e frango assado pra gente. Mas, o estranho é que sentamos para comer nos quatro (nós dois + Pierre e Anne) com o Sidibé. Sua esposa, filhas e o restante da família não comeram com a gente. Saindo dali passamos na casa do Abdoulaye, tradutor do Pierre. A esposa dele também tinha cozinhado pra gente, arroz com molho e depois um macarrão com frango (já não aguentávamos mais). E ainda passamos na casa de um amiguinho do Eric, um rapazinho que vem de vez em quando em casa e nos convidou para passar na casa dele também. Fomos, mas ele tinha saído para fazer uma visita, até achamos melhor porque já não dava para partir para o quarto almoço do dia!

é um dia de festa e de perdão para os muçulmanos, eles se visitam para compartilhar e pedir perdão para os amigos e familiares por alguma coisa que tenha acontecido no ano que passou. Eles se arrumam para esse dia, às vezes com roupas novas, e comemoram bastante.

Aproveitando o feriado na segunda, nosso amigo Armand nos convidou para almoçar na casa dele. Ele não é muçulmano, mas não queria que fôssemos para a França sem conhecer sua família. Fomos nós e o Pierre, e o Armand convidou um amigo dele pra conversar com a gente também. Chegando lá as irmãs dele tinham preparado um salada, um (o melhor que comemos até agora) com um molho de folhas (?) e depois frango de panela. Como podem ver, estamos sempre na situação delicada de comer carne ou não. Para fechar, ainda nos ofereceram uma travessa de pipoca com raspas de côco por cima. Tinha suco de tamarindo (uma delícia) e de gengibre e tudo estava no capricho! Armand e a mãe dele (uma senhorinha) comeram conosco e depois ele chamou seus irmãos para se apresentarem para gente. Foi tudo carinhosamente pensado por ele...

sábado, 19 de setembro de 2009

Aniversário do Pierre

O aniversário do Pierre é dia 11 de setembro, mas ele teve que viajar e então a comemoração foi hoje. O combinado foi de comemorar o aniversário dele, do Youl (dia 6) e de um aninho da Enice (dia 13) aqui em casa, principalmente porque o Pierre convidou o pessoal do trabalho também. A principio, a ideia era fazer o cachorro-quente (brasileiro), comprar frangos na brasa, montar uma salada (mais ou menos o que é feito por aqui) e fazer mousse de chocolate e sorvete de menta (feito por nós). Mas como a festa era para a família da Francine também (mãe da Enice) o combinado era que fizéssemos algo juntos, melhor, além disso ela ia pensar em alguma coisa para servir também. Ok, combinamos então de deixar tudo pronto para quando o pessoal chegasse a gente estivesse "liberado". Eric e Pierre saíram às compras, com a Francine e a Janete (sobrinha dela). Entre várias idas e vindas, falta isso, vamos buscar aquilo... o plano muda, melhor, ela decide o que preparar. A Francine quis fazer o frango e então foram no mercado comprar os dois frangos (vivos), levaram na casa dela para matar e trouxeram para para todo o ritual até fritá-lo. E, além disso, o frango foi servido junto com um outro prato, o "nhongô", vejam que rápido e prático: a massa é feita com farinha de milho, amendoim moído e a folha do feijão QUE eles foram buscar onde a Francine tem sua pequena plantação (4 km de casa). Fazemos bolotas e cozinhamos a massa à vapor, é uma espécie de um quibe. Pronto! Com isso precisamos de bacias, um pilão, a panela para fazer a massa à vapor, carvão (que pegamos da vizinha), lenha que fomos buscar, etc... em paralelo a Sylvie e a Janete cortando os outros ingredientes para o molho. E mais: no mercado a Francine decidiu fazer o tal do "chenille" que em português é literalmente lagarta, isso mesmo, lagarta daquela que vira borboleta. Eles comem e falam que é bom e nutritivo. Eu não quis experimentar, sinceramente ver os bichinhos na panela não me apeteceu em nada. Eric comeu um, disse que tem gosto de carne. Bem, que aqui em casa a nossa cozinha não é equipada para preparar essas coisas, melhor, exatamente o contrário, o ideal é não ter a cozinha e fazer "à lenha" como eles fazem aqui, espalhar tudo no chão, etc. Resultado, o dia inteiro girou em torno da festa, a cozinha e a varanda ficaram bem sujinhas!!! E pelas 19h, o pessoal chegando e a Francine ainda estava cuidando do frango, no meio da festa, mais ou menos, ela ainda foi em casa trocar de roupa, se produzir.... quando ela sentou, estava morta! E o pessoal, claro, come numa boa, como se tivesse sido feito à meia hora atrás. Sabe assim? ... é assim mesmo. Demos lápis de cor e papel para as crianças - Mardoché (filho do meio da Francine), a Ilda (a mais velha do Thierry) e o Mica (filho do Youl) - elas se divertiram! Terminando, o povo não curte chocolate, a mousse estava maravilhosa mas o pessoal nem ligou, muitos não comeram, eles acham muito doce, mas gostaram do cachorro-quente!

Ficamos bem cansados, deve ter feito uns 40° durante o dia. De manhã eu fui doar sangue e umas horas depois eu tive queda de pressão e umas coisinhas que bastou eu parar um pouquinho pra dormir para me sentir melhor, mas eu perdi algumas etapas de preparação dos pratos do dia! Falando em doar sangue, o enfermeiro me disse que "aqui" apenas 15% da população é soro negativo e que então o meu tipo de sangue (O -) é mais raro ainda. Fiquei mais contente com isso! O Eric tinha doado 3 semanas atrás e entregaram o resultado dele hoje; agradeceram muito etc. Parece que é muito difícil "convencer" as pessoas a doar sangue, dizem que quando tem alguém da família precisando é que fazem. O detalhe do sistema aqui é que na ficha de entrevista para saber se podemos doar sangue ou não, temos que declarar se vivemos em monogamia ou poligamia. Eles também não fazem aquele exame prévio na hora pra depois tirar a quantidade normal de doação, tiramos o sangue e uma semana depois pegamos o resultado...

Beijos nossos :)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cerimônia surpresa

Quarta-feira passada fui de volta a Kari porque era dia de mercado nesse vilarejo. Eu queria ver como o mercado se organiza por lá e aproveitar a ocasião para conversar sobre a troca de informações entre as pessoas nesse evento – além do caráter econômico, os mercados africanos são verdadeiros acontecimentos sociais! Acabou que o que foi acontecendo foi uma grande surpresa pra mim. Chegando na cidade, antes de me dirigir ao mercado decidi passar na casa de um dos agricultores que tinha visitado uma semana antes. Ele demonstrou ter ficado muito feliz com minha visita e sentamos para conversar. Quando achei que era um bom momento para retomar nossa conversa inicial, perguntei mais detalhes sobre o chefe do vilarejo e o chefe de terras. Ele se prontificou a me levar na casa dos chefes e... lá fomos nós!

Os chefes são senhores já de idade avançada e eles não falam francês! O agricultor que estava comigo fala razoavelmente o francês, então já viram, a conversa foi meio uma confusão, o povo falando em Bwamu, o agricultor tentando achar as palavras pra me traduzir em francês... mas bem, conseguimos conversar um pouco. No meio dessa conversa veio uma surpresa: os chefes, vendo meu interesse por suas funções, me perguntaram se eu queria presenciar uma cerimônia! Além de cuidar da manutenção da paz no vilarejo (resolução de conflitos) esses chefes também têm funções meio que sacerdotais... eles fazem cerimônias com oferendas para os ancestrais, para diversos fins: proteção da comunidade, pedindo boas chuvas para a agricultura, etc. Eu fiquei meio sem saber o que dizer, mas sim aceitei o convite.

Fomos ao mercado comprar uma galinha branca segundo o pedido dos chefes. Pois é, essa é a parte triste, essas cerimônias geralmente incluem o sacrifício de uma galinha branca. Voltamos à casa dos chefes com a galinha para a cerimônia. O agricultor que estava comigo tinha me explicado um pouco como funcionava e durante a cerimônia ia me dizendo algumas coisas para facilitar meu entendimento. Fiquei impressionado com a naturalidade com que a cerimônia é feita, ali mesmo num canto da cour, ao ar livre. Se entendi bem, ela é dividida em três etapas principais: uma primeira de pedido de perdão, uma segunda chamada "das cinzas" e finalmente a parte final onde se faz o pedido aos ancestrais na medida que se faz o sacrifício. Ainda não entendi bem a parte das cinzas, mas a cerimônia como um todo acontece mais ou menos assim:

Nos dirigimos para o canto da cour onde os sacrifícios são feitos, facilmente identificável por causa da grande quantidade de penas brancas no chão. Ao me aproximar, o chefe do vilarejo me indicou que era preciso tirar os sapatos. Ficamos então os seis (os dois chefes, um ajudante, um observador que não entendi o que fazia lá, o agricultor e eu mesmo) em círculo, agachados. De lados opostos do círculo, o chefe de terras e o chefe do vilarejo têm funções complementares na cerimônia: o primeiro é o homem da palavra, ele recita as frases de invocação e os pedidos aos ancestrais, o segundo é o homem da ação, ele fica com a faca na mão e na medida que o outro fala ele vai fazendo gestos simbólicos com a faca, até o momento do sacrifício em si. A galinha é então degolada, seu sangue escorre pelo chão, e depois são suas penas que vão parar ali. No final, o ajudante serve duas cabaças de dolô (a cerveja tradicional daqui, veja aqui o artigo que publicamos sobre isso), uma para cada chefe. Antes de beber, uma boa porção do dolô é derramado no meio do círculo. Depois deles terem bebido, foi a vez do agricultor, a minha e por ultimo foi a vez dos outros dois. O chefe do vilarejo "examina" as vísceras da galinha para saber se está "tudo bem", parece que algumas partes têm que estar brancas e estavam, então, segundo ele, tudo bem. A galinha é então dividida entre os presentes e voilà, estava terminada a cerimônia.

Confesso que foi estranho presenciar o sacrifício da galinha, mas muito interessante acompanhar a cerimônia. Essas tradições são ligadas à "religião" animista, baseada nos poderes da natureza e na veneração dos ancestrais. Essa "religião" é anterior a todas as outras na região, e mesmo que as pessoas se digam de confissão católica ou muçulmana, dá pra perceber a influência do animismo em suas crenças. Há sempre muito mistério em torno da vida aqui no Burkina, as pessoas têm crenças "complementares", que colocam "em prática" em momentos distintos de suas vidas sociais. Muito provavelmente essas crenças seriam consideradas incompatíveis por integristas de uma ou outra religião. Mas quando conversamos com as pessoas por aqui sobre essas coisas, vemos que eles vivem entre dois mundos: aquele dos magos de magia negra, sempre temidos por lançarem feitiços e maldições sobre as pessoas, e aquele dos magos de magia branca, sempre procurados para a proteção das pessoas contra os primeiros ou as tristezas da vida...

Se eu descobrir mais detalhes sobre as cerimônias dos chefes coloco aqui num outro artigo, ok?! Abraços a todos!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Conversando com agricultores

Olá pessoal,

essa semana finalmente comecei minhas andanças pelas cidadizinhas rurais da região da Boucle du Mouhoun. Boucle em Francês significa laço, e a região tem esse nome por causa da volta que o rio Mouhoun (lê-se "Mu-um") faz por aqui. Fui a Kari (20 km de Dédougou), a Wetina (25 km de Dédougou), e a Nouna (55 km de Dédougou). Encontrei 5 agricultores, e tive conversas informais, mas que fui orientando para os assuntos que gostaria de tratar na minha tese, pouco a pouco ou "doni doni" como eles dizem por aqui.

Comecei a colocar em prática algumas das dicas que me deram sobre "entrevistas" com os agricultores daqui. A primeira, e que me preocupou bastante quando ouvi, é de não gravar nem tomar notas durante a conversa com os agricultores. Toda a questão aqui é criar uma relação de confiança, e eles são bem ressabiados, pelo jeito desconfiariam do que eu faria com as informações que estaria recolhendo com tanta precisão (no caso de gravar ou tomar notas). Me preocupei de conseguir lembrar dos detalhes da conversa, mas concordo que colocar em risco a confiança na relação não seria uma boa... inclusive a validade das informações que recolheria assim poderia ir por água abaixo. A ideia é fazer as entrevistas mais em forma de conversa, aproveitar o fato de não estar tomando notas para me concentrar a fundo na conversa e em todos os sinais não verbais que podem estar vindo dos interlocutores! Gostei das primeiras experiências! Para não perder alguns detalhes que me parecem mais importantes, logo depois das conversas e antes de chegar em casa, paro no meio da estrada para tomar algumas notas. No caso de Kari e Wetina calha muito bem, pois a alguns quilômetros na direção de Dédougou tem um enorme Baoba! viram !?! aproveito a presença dessa majestade para tomar minhas notas.

A Ju comentou um pouco sobre o Ramadan, a época de jejum dos muçulmanos. Alguns dos agricultores que encontrei são muçulmanos, então aproveitei para aprender um pouco mais sobre essa prática deles. A primeira coisa que eu gostaria de dizer é que eles encaram essa prática principalmente como um exercício de controle de si mesmo; uma mistura de esforço e sofrimento, uma espécie de sacrifício. Durante os trinta dias do Ramadan a rotina é mais ou menos a seguinte: os homens acordam por volta das 4h da manhã (as mulheres mais cedo ainda pois têm que preparar a refeição) e tomam um "café da manhã" até no máximo às 5h, quando começa oficialmente o jejum do dia. Fazem suas atividades normalmente até às 18h30 quando começam tomando água e comendo algo leve, para em seguida ir à primeira oração da noite na mesquita. Depois voltam pra casa para jantarem de verdade, e retomam as orações, até a hora de ir dormir ou, dependendo da família, passam toda a noite rezando! O marceneiro que fez nosso teto aqui em casa, disse que na sua família eles fazem a oração durante toda a noite apenas nos últimos dez dias... ele disse que é de deixar exausto mesmo! O trigésimo dia de jejum é finalizado por uma grande oração, onde todos se reúnem na mesquita. O dia seguinte é de festa! Se entendi a segunda mais importante no calendário muçulmano (atrás somente da festa do cordeiro, que acontece 70 dias depois do final do Ramadan).

Bem, tenho que ir, a gente continua essa "conversa" na próxima! Digam ai o que vocês acham, comentem, perguntem, se a gente não souber a resposta a gente aproveita pra perguntar diretamente pra eles! :-) beijos e abraços a todos vocês, até.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Foi sinal amarelo!

Gente!
Ontem fez muito calor aqui! pelas 23h (teoricamente mais fresquinho) eu estava trabalhando no computador quando apareceu a TPM (Tela Preta Mortal), ui! Como diz a
Miss, por uma questão meramente folclórica, eu reiniciei tudo. Vivi momentos de tensão pois o que não pode acontecer é meu computador "dar um pit" em Dédougou!!! Iniciando apareceu uma mensagem que eu nem cogitava que existia, pelo menos até vir morar na ÁFRICA! Ela dizia mais ou menos assim: seu computador não foi corretamente desligado, isso pode ter acontecido por duas razões: 1. a temperatura exterior está muito alta; 2. seu ventilador interno pode não estar funcionando bem! !!!!!!

Ou, neste caso, as duas coisas! Já tínhamos notado que o computador estava esquentando muito e muito rápido (como um europeu na África!). Lembrei do Jacques, amigo da Fundação, ele disse que uma vez ele (ou um amigo) colocou o computador dentro da geladeira para esfriar um pouco. Acho que vou ter que fazer o mesmo!!!

Bom final de semana!

PS1: estamos, por tempo indeterminado, sem aulas de Dioula porque a esposa do nosso professor - Laurent - grávida de 2/3 meses, está gravemente doente e hoje foi para Ouaga tentar fazer uma cirurgia na cabeça. Tentar é o verbo que esse povo mais conjuga por aqui! Vamos torcer para que tudo corra bem!

PS2: hoje é aniversário do Pierre e ele ganhou sandálias Havaianas de presente! Trouxemos do Brasil, claro...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

As crianças... agora dançarinos

Olha, não é fácil lidar com as visitas frequentes das crianças. Como comentamos anteriormente, as crianças visitam a gente bastante, bastante que queremos dizer é várias vezes por dia, às vezes antes das 8h da manhã! Uf! Adoramos crianças mas realmente ficamos sem saber como agir. Nem sempre podemos parar o trabalho para dar atenção, afinal não estamos aqui a passeio. Sim, estamos aqui também para interagir e aprender com eles, mas todo o tempo não podemos. Se falamos que estamos ocupados eles dizem "tá bom" e voltam daqui a pouco. Se damos atenção, eles voltam, claro. Dando ou não dando atenção eles voltam! Temos que ser pacientes e até nos divertimos com eles, mas tem horas que rola um stresse.

Já foram muitos os episódios! Um dia eles entraram aqui enquanto não estávamos e mexeram na lata de lixo, para encontrar resto de comida ou alguma coisa para fazerem de brinquedo (eles gostam das garrafas e das latas). Mas quando chegamos e vimos o lixo espalhado não gostamos e falamos com eles que não pode ser assim, etc. E eles? Silêncio. Achamos que muitos não tem uma conversa com os pais para entenderem porque sim, porque não. Pelo que observamos é "não e porrada"!

Num sábado, estávamos nós 3 em casa fazendo uma limpeza ... e eles chegaram. Ah! e nem sempre são os mesmos!! Eles disseram que podiam limpar com a gente, dissemos que não, que ok, etc. Depois eles "se instalaram" na varanda que o Pierre tinha acabado de limpar, e com os pézinhos e mãozinhas enlameando tudo, ficaram ali, acho que esperando a gente ou querendo pedir alguma coisa. Primeiro foi o Pierre, disse que estávamos ocupados e que isso e aquilo, que a varanda estava limpa, etc. Eles? Nada. Depois eu, tentei ser um pouco mais clara dizendo que era pra eles brincarem lá fora. Eles? "tá bom" e nada. Vem o Eric, com toda a sua simpatia e voz grossa "é o seguinte, nós acabamos de limpar o chão e ele já está sujo! Estamos ocupados hoje trabalhando ok? Vocês podem brincar lá fora e quando a gente puder brincar a gente chama ok?" Um "ok" levando a garotada pro portão...

Esses dias eu estava sozinha à tarde, vieram uns 5, algumas vezes. Na terceira vez eu saí meio impaciente e dei de cara com eles fantasiados de "guerreiros" (tive que rir!) querendo dançar a dança tradicional pra gente ver... em troca de dinheiro. Bem, eu disse que estava sozinha e que o Eric e o Pierre gostariam de ver também, mas que não tínhamos dinheiro pra dar. Eles disseram que voltariam e que aceitavam o que a gente quisesse dar pra eles. Ok, eles voltaram um tempinho depois e depois. Bem... a "apresentação" foi ontem, dois meninos vieram fantasiados e cantaram e dançaram no quintal de casa. Tiramos fotos...




e demos balinhas. Perguntamos o que significava a música, depois de um tempo sem respostas eles disseram que não podiam explicar, mas que era sobre o Hamadan, mas o quê sobre o Hamadan não "sabiam"...  desde ontem já vieram mais 2 ou 3 vezes fantasiados também!!!

Bem, parece que as aulas recomeçam em outubro, até lá acho que temos que nos divertir!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ainda em tempo

Bem que a gente tenta vir aqui mais vezes para contar as novidades na medida em que elas vão acontecendo... mas às vezes é difícil!

Entre as atividades "formais", Eric e Ju trabalhando, tivemos alguns acontecimentos! A Marilú já colocou 3 ovos! O primeiro ela colocou atrás da porta de entrada da casa e quem viu foram as crianças, que também montaram uma casinha pra ela. Dois dias depois o ovo apareceu quebrado, mas não sabemos se foi ela ou um desses lagartos que andam por aqui. Mas depois disso ela já colocou mais 2 ovos, mas eles não estão na casinha que montamos pra ela, um num canto do quintal, outro de novo atrás da porta! Dessa vez achamos melhor não mexer...

As visitas continuam, aliás essa semana a criançada deu canseira na gente, eles vêm muito aqui e nem sempre eles entendem quando falamos que estamos ocupados, eles até oferecem ajuda (risos)! Num dia desses, no final da tarde, colocamos um desenho animado pra elas verem - Os incríveis - juntamos umas 15 crianças na sala, com direito a pipoca, suco (xarope de menta) e bala! Eles ficaram vidrados, mesmo os pequenos que não entendem francês, nem todos têm televisão, nem luz!

Também recebemos a visita do pessoal que trabalha na colônia de férias (Vacances Loisirs). Vieram nos visitar Pierrete, Vincent, Armand, Félix e Silvan, eles trouxeram o material para fazer o chá que eles costumam tomar no final da tarde. Um chá bem forte e bem doce, que se toma em 3 etapas... pra conversa render! Também vieram Bruno e Miriam, os portugueses que ainda estão aqui. Entre uma história e outra a "troupe" quis brincar de teatro com a gente e até improvisamos umas cenas sobre o papel da mulher, foi divertido!

No final de semana fomos visitar a prisão de Dédougou junto com o Bruno, a Miriam e as Irmãs. Hum... não é divertido né! Mas foi interessante a experiência. Realmente a prisão aqui não tem muita segurança (achamos que os "piores" casos devem ir para Ouaga) e o ambiente é menos agressivo do que pensávamos (pelo menos com a ideia que temos de prisão no Brasil). Fomos para conhecer o trabalho das Irmãs, que consiste em conversar com os presos e servir comida (o "tô", uma refeição bem melhor do que eles comem durante a semana). Fomos nas quatro "alas", uma dos homens que aguardam julgamento, uma dos rapazes (menores), uma das mulheres (que ficam com seus filhos) e a última dos homens que já foram julgados, mas nos reunimos no pátio de cada uma delas. Chamou atenção o fato de as Irmãs esperarem os muçulmanos acabarem a oração deles para começar o trabalho. Ficamos em silêncio aguardando. Quando eles acabaram, se juntaram ao grupo que estava nos aguardando e também ouviram o que as Irmãs tinham pra dizer e, claro, também foram servidos. Foi meio apressado porque a chuva estava vindo, não vimos direito, mas eles fazem trabalhos artesanais para ganharem um dinheirinho.

Tem chovido bastante por aqui! Tem dias que esquenta muito mas quando a chuva vem refresca bastante! O final de semana foi mais na chuva do que no calorão. Isso atrapalhou o nosso programa de passear para ver hipopótamos na região. Vai ficar pra outra! Falando nisso, um elefante apareceu por aqui em Dédougou!!! Não se sabe se ele se perdeu mas ele estava meio nervoso... atravessou a "cour" do alojamento onde os portugueses estão (que faz parte de uma congregação católica) e levou dois muros!!! Não vimos o bichinho mas vimos o seu rastro! Uau que medo!

PS: fizemos cachorro-quente e doce de abóbora! Estava uma DELICIA! Matamos a vontade e a saudade de comer uma coisa mais gostosa! O Pierre e a Anne adoraram!!