domingo, 16 de agosto de 2009

Toma!

Adoramos conhecer Toma, valeu a pena ter ido pela festa! Mas infelizmente o final não foi muito feliz...

Saímos de Dédougou dia 14, de "ônibus", junto com o Fidèle e a Benedicte, uma de suas netas. A viagem foi longa, 90 KM em 3h30 aproximadamente, não pegamos chuva mas a estrada não é muito boa. O micro-ônibus veio superlotado, nós viajamos com a nossa moto no bagageiro, e aqui isso quer dizer "amarrado em cima do ônibus". é divertido ver o povo chegando com as coisas que vão no ônibus: planta, galinha, saco de comida, bicicleta, cabra, bode, moto... e assistir o malabarismo dos caras colocando a "bagagem" pra cima! Quando fomos abastecer, encontramos um micro-ônibus igual ao nosso que tinha simplesmente um boi em cima (entre outras cositas)! Queríamos muito ter visto a cena do pessoal colocando o animalzinho de grande porte pra cima!!!

Eric e eu fomos colocados na frente, junto com o motorista, assim fomos vendo a paisagem e acompanhando melhor as paradas. Passamos por várias cidades: Soakui, Aperekui, Massala, atravessamos o rio Mouhoun, Douroula, Dumbassa, Soroni, Zaba, Gassan, Kibiri, Kougny, Tiouma, Goin, Tô e finalmente Toma. No meio do caminho vimos os animais que já estamos "habituados", esquilos e dois tipos de pássaros lindos: um grande e bem azul e outro tamanho médio de cor verde-clara, parece com a nossa maritaca. Também vimos umas árvores lindas, totalmente secas em meio à paisagem bastante arborizada e às vezes no meio dos campos de milho. O Fidèle nos explicou que essa árvore fica seca durante a época de chuva e cheia de folhas na época da seca, isto é, bem diferente do resto da paisagem e "temperamental"! Bonito de se ver!!

Quando paramos em Goin, o Fidèle veio com uma pequena cabaça de "dolô"... a cerveja artesanal daqui, ela é tão boa que vamos escrever uma mensagem em seguida só pra ela, explicando mais detalhes! Merece!

Quando chegamos em Toma um dos sobrinhos do Fidèle veio nos buscar, como estávamos de moto tudo ficou mais prático. Primeiro passamos na casa da família do Fidèle pra ele deixar as coisas dele. Nossa surpresa foi que na "cour" deles está enterrado o pai dele, o pai da família Toe. Perguntamos se era tradicional, mas eles nos explicaram que não, que foi uma escolha da família tê-lo por perto. Bem, dali o Fidèle nos levou para a casa onde fomos hospedados... e ai a historia começa e entendemos melhor porque em Toma a festa do dia 15 de agosto é mais comemorada.

Era uma vez... Alfred Simon Ki-Zerbo, vendido como escravo ainda quando criança. Na juventude ele conseguiu fugir e recebeu ajuda dos missionários católicos, isso por volta de 1920. Anos mais tarde ele e os padres franceses fundaram a Igreja Católica em Burkina Faso e então ele é considerado o primeiro catequista do país. Sua história de vida é tal que atualmente está em processo de canonização no Vaticano. Ele já era velhinho quando visitou o Papa Pio XII no Vaticano e esse cedeu o seu trono papal para ele se sentar (linda foto!) e, quase aos 100 anos de idade, em 2006, ele faleceu durante a missa do Papa João Paulo II em Ouagadougou.

Acontece que Alfred é de Toma e a família Ki-Zerbo é uma das mais tradicionais da cidade. Fidèle nos hospedou na casa de um de seus filhos, o Senhor Saturnie Ki-Zerbo que já é bastante velhinho! Um dos filhos do senhor Saturnie, Alphonse, é padre e está na França agora. A família do Fidèle (Toe) e a família Ki-Zerbo são bastante unidas, achamos que Fidèle nos hospedou lá porque eles têm construído dois quartos que compartem um WC interno e lugar para se banhar. Mesmo sem água corrente, o banheiro no interior já é uma boa diferença para nós ocidentais, né? E fidèle sem ter nos perguntado foi atencioso nesse sentido. Fomos muito bem recebidos pelo Sr. Saturnie e a Senhora sua esposa, Josephine... por perto muitos filhos, netos, sobrinhos, primos... conhecemos tanta gente nesses dois dias em Toma que nem podemos contar o nome e dizer quem é quem!

O que foi bem legal também é que a Dona Josephine faz o dolô em casa! E assim que chegamos eles mostraram pra gente cada etapa de preparação da bebida: a espiga do sorgô, os grãos germinando, o "granier" (onde guardam as sementes), os grandes jarros de barro cozinhando o dolô, o dolô fermentando e ... o dolô!

Saindo de casa, fizemos um tour turistico-cultural-espiritual com o Fidèle! Primeiro ele nos levou no Centro Marial, uma espécie de centro de estudo para retiros espirituais. Eles têm um pequeno jardim com estátuas da aparição de Maria em Fátima, alojamentos para peregrinos, uns 15 santuários dedicados às aparições reconhecidas de Maria, uma biblioteca, etc. Diversas estátuas e pinturas feitas por artistas da região.

Perto dali fomos ver a gruta, um local no alto de Toma (com uma vista bonita da cidade) onde construíram uma pequena gruta para colocar a primeira estátua de Maria de Burkina Faso. A história diz que essa estátua tem mais de cem anos, foi trazida por escravos e missionários desde o Mali e no trajeto quase foi destruída nos diversos ataques que sofreu. Descendo a gruta conhecemos a Paroquia do Sagrado Coração, a Catedral, ela é bem grande!! E, descendo a rua principal da Catedral, fomos visitar mais uma casa dos Ki-Zerbo, onde vive Jean Baptiste com sua família. Ele é o filho de Dom Alfred (irmão do Senhor Saturnie que nos acolheu). Nesta cour eles construíram uma espécie de uma cripta, onde está o túmulo de Dii Alfred Simon Ki-Zerbo, eles recebem bastante visitas de devotos e peregrinos.

Terminando o passeio, fomos tomar o dolô da Regine, uma prima do Fidèle. Sentamos no quintal e vieram as cabaças! Dessa vez veio o acompanhamento também: uma porçãozinha de carne! Bem... nos olhamos disfarçadamente quando o Fidèle solta "tomamos o dolô comendo carne!". Ele esqueceu que não comíamos carne, ficamos sem saída e pegamos um pedacinho. Nesse meio tempo, ouvimos o som de um tambor e uma voz forte. Fidèle avisa "corram pra ver! Eric, você precisa conhecer a forma mais tradicional de comunicação aqui!" Saímos na porta e vimos o "crieur public" (gritador público, estranho em Português)! Trata-se de uma função bem específica: passar em toda a cidade para dar notícias. O crieur chama a atenção do público tocando o "doundoum" (espécie de tambor) e conta a novidade num tom bem forte! Pra variar, era alguém da família do Fidèle e pudemos conversar um pouquinho. Como em algumas cidades não tem uma radio local, o crieur public ainda é muito ativo e requisitado para levar as notícias para o povo!

Encerramos o dia bem cansados! Fomos ainda jantar: inhame cozido e sopa de peixe! Bem, Eric fugiu da sopa, eu não... e ela não caiu nada bem mas já passou!

No dia 15 acordamos cedo para ir à missa (início: 7h30!!)... foi uma celebração muito bonita, preparada pelas mulheres. Todo mundo contente! Músicas animadas e muitos tambores! O mais bonito foi o que pra gente é a hora da oferta e o canto final de Ação de Graças! Na oferta as mulheres entraram com grandes cestos coloridos de palha, tradicionais, alguns com milho e arroz, por exemplo. O canto final foi puxado por um cantor conhecido por eles e as mulheres dançaram e cantaram em coro no ritmo dos instrumentos tradicionais (Dagarghil, Djembé, Lounga e Doundoum)! Saímos todos em procissão, nesse ritmo, até a gruta, onde o padre terminou a missa.

Descemos para a cidade para ver um torneio de ciclismo. Paramos aqui e ali e numa dessas o Fidèle nos avisa que não estava se sentindo bem, pediu desculpas e pediu ao Eric para levar ele pra casa. Ficamos sem saber o que fazer depois, pois o combinado era almoçar em família e sem ele ficamos meio perdidos. Bem, voltamos para casa para descansar (estava muuuito quente). Por volta das 13h uma das meninas da família traz o almoço pra gente, comemos sozinhos, mas fomos bem servidos: arroz, molho de legumes com carne e numa terceira panela frango cozido! E o dolô para acompanhar é claro! Comemos um pouco do molho e eu um pedacinho de frango (com fome!). O engraçado foi que ficamos sem graça de devolver as panelas ainda cheias e... aproveitando que não havia ninguém por perto... demos um pedaço grande para o cachorro que estava bem ali do nosso lado! Pode parecer feio, mas ficamos pensando que diminuir um pouco o volume dando um pedaço para o cachorro era melhor do que fazer desfeita!

Um tempo depois o Fidèle nos chama, ele queria que fossemos assistir a final da "Copa dos Deputados", que estava dentro da programação do dia. Ele fez questão de ir com a gente mas sabíamos que ele não estava bem. O filho dele também foi e falamos com ele antes que era melhor o Fidèle ficar, mas ele respondeu dando a entender que o "velho é teimoso". Fomos então para o Estadio de Lutas Tradicionais que tem também um campo de futebol, mas como já ensinamos pra vocês: bem mais ou menos (uns 5% de grama e o resto de pedregulho). Antes do jogo começar assistimos a algumas apresentações de danças tradicionais e também presenciamos a chegada triunfal das autoridades nos carrões.

Em meados do primeiro tempo notamos que o Fidèle não estava bem e o Eric levou ele de volta para casa. Também desistimos de assistir o final do jogo para pegarmos um pôr-do-sol lá da gruta. No caminho, em frente à Catedral, encontramos m grupo muito animado de mulheres dançando!!! Os homens tocando e a criançada no meio!! Elas dançam em círculos, muito animadas e suando à bica no calor! O interessante é que tem mulheres de todas as idades e muitas são idosas. Enquanto comíamos um milho na brasa, sai a Josephine da roda e vai buscar pra gente mais uma caneca de dolô! Desceu muito bem! Depois dessa recarga, entramos na roda! Foi gostoso, a mulherada adorou ver o Eric dançando e pulando na roda pois quase não tem homens dançando! E as crianças riam muito pra gente!!!

Mesmo assim passamos de volta na gruta para curtir o final de tarde! Passamos novamente no Fidèle para saber como ele estava. Nada bem! Ficamos tristes e preocupados de vê-lo assim, ele estava saindo para ir ao hospital fazer exames, pois havia forte suspeita de ser uma crise de malária. Aqui estamos no período das chuvas e os mosquitos são mais numerosos. Sabíamos que nessa época tem muita ocorrência da malária, mas não sabíamos que era tão frequente, praticamente todos os dias sabemos de mais alguém com crise. Mas não se preocupem! Estamos tomando o medicamento indicado e tomando bastante cuidado, usando repelentes e dormindo somente com o mosquiteiro bem fechado!

A noite, ainda ficamos conversando com a família Ki-Zerbo durante o jantar: tô e mais dolô! Eric e Charles Ki-Zerbo (um dos filhos do Saturnie que é da área médica) foram até o hospital ter notícias do Fidèle, mas ele já tinha voltado para casa.

Acordamos bem cedo, pois o ônibus para Ouagadougou estava marcado para às 6h30! Saímos às 6h de casa e todos já estavam de pé e as meninas já estavam trabalhando, colocando o resto do dolô para secar (serve de comida para os porcos). Nos despedimos da família e passamos na casa do Fidèle, ele parecia melhor mas ainda muito abatido, tinha passado uma noite difícil! O planejado era que ficaríamos mesmo até hoje de manhã em Toma, mas ficamos na duvida se partíamos com ele nesse estado, mas achamos melhor manter o plano, ele ficaria mais tranquilo descansando. Enquanto estávamos lá, éramos suas visitas e ele estava preocupado com a gente. Mas passamos muito bem, ficamos sozinhos por muito pouco tempo e os amigos e familiares estavam por perto nos dando atenção e preocupados com ele.

Dolô

tínhamos ouvido falar no dolô mas não tínhamos experimentado até ir para Toma! Tivemos a chance de ficar hospedados na casa da Dona Josephine que prepara um delicioso dolô muuuitos anos. Ela nos explicou e nos fez experimentar todas as etapas do dolô! Vimos onde e como é feita cada uma delas!

O dolô é uma cerveja à base de sorgô, uma bebida bastante tradicional aqui, principalmente nos vilarejos. As receitas variam de acordo com a etnia, mas em todos os casos é um processo que dura vários dias, em geral, 3 dias.

Esse é o "granier" onde o sorgô fica armazenado. Por aqui, principalmente no interior, todas as "cours" têm um, às vezes até mais de um, onde ficam armazenados os grãos que eles produzem e vão consumindo.

A primeira etapa é espalhar o sorgô e deixá-lo germinar, molhando-o de vez em quando. Depois secam e moem. Acrescentam água nessa farinha para "inchar" o sorgô e vão remexendo de vez em quando num período de algumas horas.

Essa mistura fica secando num "canari" (jarro) e depois eles colocam essa mistura para ferver. O tempo de cozimento depende da receita, mas o dolô fica cozinhando de 8 à 10 horas.


Antes de fazer a fermentação do dolô, numa primeira etapa, eles fazem o "petit dolô", uma bebida bem concrentrada e doce, geralmente separada para as crianças e as grávidas.

Eric e Fidèle experimentando o "petit dolô"

Depois é acrescentado a levedura para fazer a fermentação, o jarro fica tampado e o dolô fica esfriando durante horas. Nessa etapa a bebida é fermentada, mas menos forte.

No dia seguinte de manhã, está perfeito! Mas geralmente não se conserva o dolô, ele é consumido logo no mesmo dia em que ficou pronto e é servido sempre nas cabaças. Eles tomam o dolô principalmente nos dias de festa.

Em geral são as mulhres que preparam e vendem. Atualmente tem os bares como conhecemos, eles aqui chamam de "maquis" mas tradicionalmente o dolô é vendido nos "cabarés", que são vendas mais "escondidas" e para conhecedores.

Essa é a "cour" da Dona Josephine, onde ela prepara o dolô.

E essa é a Dona Josephine!